sábado, 29 de maio de 2010

Ah, eu queria, agora, um grande amor
Mas só por esta noite
E que quando for embora
Nada lembre eu dele
Nem ele de mim
Não quero continuar e esperar o fim.

domingo, 23 de maio de 2010

[Da casa das crônicas] O barulho das maçãs


Todas as quintas-feiras pego o ônibus na estação às 18:30 da tarde para ir ao lugar onde moro, que pouco interessa a quem lê isso aqui, depois de uma longa jornada de papéis marrons - eu trabalho com papéis marrons.

O que importa mesmo é um garoto. Não é tão novo, deve beirar seus 27 anos, mas para mim, novo, menino... Sempre que chego à fila ele vem logo atrás a também esperar a condução. Sério, calado, tira seu ipod da mochila e, acredito, liga, e põe os fones nos ouvidos. Das primeiras vezes que nos encontramos resolvi lhe fitar os olhos, mas chance não tive para continuar tal conquista. Bobo engano achar que ele veria alguma coisa. Seu universo parecia construido de vermelhas maçãs, somente.

Entramos no ônibus. Algumas vezes sentava-se ao meu lado, depois, nunca mais o fez, percebi que prefere os bancos solitários como eu. No vai e vem de passageiros que descem e sobem, entre paradas a todo momento, seguimos até o bairro que por sinal, é o mesmo. Eis que chega em frente a um condomínio verde com o nome em letras amarelas, o garoto retira de sua mochila uma vermelha maçã, morde-a com calma e o primeiro som ecoa por toda a condução, como aquele comercial antigo que dizia: "compre na nina, menina! "Croc!". Você lembra? Todo mundo pegava uma maçã e tentava encontrar na mordida som igual ao do comercial. Pois é...o som era assim, ou até melhor. É... bem melhor.

Perguntei-me por milhões de vezes porque sempre começa a comer em frente àquele condomínio e aonde ele compra maçãs tão crocantes(não sei bem se crocante seria a palavra), pois nunca vi coisa igual. Ele morde vagarosamente, com pausas longas, mas quase calculadas, como se quisesse ir até o fim da viagem comendo a mesma maçã. E assim acontece. Todas as quintas-feiras, quando chegamos ao ponto final, ele dá a sua última mordida, enrola o que restou da maçã no plástico, levanta-se e desce sempre à minha frente.
Há três semanas sumiu, nunca mais o vi. Minhas viagens começaram a ficar vazias, estranhas, nada consegue me ninar até o final da viagem que não seja a maçã. Era maravilhoso ouvir pausadamente cada mordida, ou dormir em meio a elas, desde o condomínio até o ponto de minha casa, ou de nossa casa. Agora, pergunto-me se nunca mais pegou a condução porque não come mais maçãs, se não consegue mais morder do mesmo jeito, ou porque não vende mais daquelas maçãs e as novas não tem produzido mais o mesmo barulho, o mesmo barulho crocante, se ele morreu...

Bobo engano seria pensar que aquele barulho faria parte da vida de um garoto e seu ipod. Acho que as maçãs vermelhas e crocantes faziam mais parte da minha vida do que da dele. Ele nem poderia ouvir o barulho das maçãs, o som do seu ipod abafava o encanto, isso é se ele realmente o ligava. Nunca o vi cantando, nem esboçando nenhuma reação musical... E eu não consigo mais, não consigo mais sair de lá a esperar ele aparecer, não consigo mais entrar no ônibus e sentir o vazio sem as maçãs vermelhas. Desisti. Nunca mais pego também o mesmo ônibus. Prefiro esperar o próximo. Ou, quem sabe, ele tem pego o anterior...