quinta-feira, 3 de junho de 2010

[Da casa das crônicas] Dona Leopoldina

Dona Leopoldina, uma senhora de mais ou menos 50 anos, gorda, baixinha, bem baixinha, quase uma anã, faz doce há 20 anos, é a doceira mais famosa da região. De brigadeiros a mini-coxinhas, todo casamento que se preze tem doces e salgados de Dona Leopoldina. Mas o número de casamentos diminuiu, Santo Antônio já não se reza tanto pelas mocinhas e seu freguês mais assíduo era Pe. Januário, simpático senhor em que todas as missas Leopoldina encontrava. Era já sabido pela doce senhora que houvesse feira da paróquia ou não houvesse, era a ela a quem Padre Januário recorria. E, ainda assim, continuava pregando todos os dias contra o pecado da gula...
Acontece que Padre Januário, como todo padre, foi mudado de paróquia, mas sem o conhecimento da jovem senhora. Desespero dos fiés não havia, nenhum doce era compartilhado com a comunidade, nem as pobres freiras conheciam pelas mãos de padre Januário o talento de Dona Leopoldina. Ficava com todos para si, comia-os todos em segredo.
Era final de tarde e a paróquia encontrava-se ativa! Fiéis chegavam para a primeira missa do novo padre que, em respeito a Dona Leopoldina, não me atrevo a dizer o nome. Ela, quando soube da mudança de seu querido padre, aos prantos, tratou de fazer uma bela bandeja de doces e salgados para receber aquele que chegava. Seu talento poderia conquistar o novo padre e sua renda não se perderia.
Já chegava-se à metade da missa, o padre fazia o juramento do corpo de Cristo, quando entra Dona Leopoldina com sua bandeja na mão. Diferente de antes, pela porta da frente, a fim de que seu agrado surtisse efeito. Caminhou até ele, esperou ao lado, bandeja suspensa, e quando o padre entregava a taça para o ministro paroquial, sussurrou-lhe no ouvido o bordão de sua produção: "Doces doces de lamber os beiços, se quiser comprar, abaixo o preço". O novo padre arregalou os olhos como se acabasse de ouvir a pior injúria e proferiu em voz alta: "A esta, que ocasionou a saída de padre Januário, exconjuro pelo pecado da carne, pelo pecado da gula, pela luxúria! Retire-se, oh, espírito perturbador!"
Dona Leopoldina saiu perplexa pela porta lateral, por onde sempre entrara todas as tardes para levar doces a seu Januário. Geralmente freiras a espreita viam a doce senhora entrar todos os dias com bandejas e sair sorrindo, depois de duas, três horas. Fuxicavam a todo momento. Coisa boa não seria. Padre Januário não cometeria pecados de gula a que tanto desprezava, mas de aos de luxúria, esses, com certeza geravam não as maiores dúvidas, mas, as maiores certezas.